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Dia Internacional da Mulher: 8 avanços no Direito das Famílias e Sucessões

No próximo sábado, 8 de março, é celebrado o Dia Internacional da Mulher, data em que se destaca o enfrentamento ao preconceito, a desvalorização e a violência contra a mulher.
Nesse contexto, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM convidou Maria Berenice Dias, Izabelle Pontes Ramalho, Gabriella Andréa Pereira e Carla Watanabe para apontarem conquistas jurídicas que trouxeram mais igualdade e proteção para as mulheres no âmbito do Direito das Famílias e Sucessões. Confira o que cada uma delas diz:
Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM
Lei do Feminicídio
"Apesar do nome pelo qual é conhecida, a Lei 14.994/2024 não se limita a aumentar a pena do feminicídio de 20 para 40 anos e a reafirmá-lo como crime hediondo. Seu alcance vai muito além. A legislação criminaliza a misoginia, incluindo atos de menosprezo ou discriminação contra a mulher em razão de seu gênero. Além disso, amplia a punição para diversos crimes, como lesão corporal dolosa, crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), ameaça e a contravenção de vias de fato. Com isso, a proteção à mulher se expande, ultrapassa o contexto da violência doméstica ou familiar, e reforça o combate à violência de gênero em uma perspectiva ampla."
Alimentos gravídicos
"O equívoco de que a obrigação alimentar do genitor tem início apenas com o nascimento do filho foi definitivamente afastado pela Lei dos Alimentos Gravídicos (11.804/2008). A legislação estabelece que os alimentos devem ser fixados a título de tutela cautelar, sendo devidos a partir da data de sua fixação. A identificação desse marco inicial decorre da exclusão do artigo 9º, que anteriormente condicionava a exigibilidade dos alimentos à data da citação. Essa alteração trouxe um avanço significativo, ao ratificar o disposto no artigo 4º da Lei de Alimentos (5.478/1968), segundo o qual o juiz deve fixar alimentos provisórios já no despacho do pedido. Dessa forma, eliminou-se a prática prejudicial de condicionar o pagamento dos alimentos à data da citação. Além disso, afastou-se a possibilidade de invocar o § 2º do artigo 13, cuja aplicação permanece restrita às ações mencionadas em seu caput, como as desconstitutivas de vínculos conjugais e revisionais de alimentos."
Izabelle Pontes Ramalho, vice-presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM
Lei Maria da Penha
"A Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi um marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, ao definir e tipificar diversas formas de violência como violações aos direitos humanos, exigindo políticas públicas para sua erradicação. A lei criou medidas protetivas de urgência, como distanciamento do agressor e proteção patrimonial, e estabeleceu uma rede de apoio às vítimas, incluindo centros de referência e casas-abrigo. Embora tenha promovido mudanças significativas, a lei enfrenta desafios, especialmente em sua aplicação no direito de família, como a efetivação de divórcios na Vara de Violência Doméstica. A escassez de varas especializadas e a sobrecarga de processos indicam a necessidade de melhorias na organização judiciária e capacitação dos servidores. O fortalecimento dessas medidas é crucial diante de dados alarmantes sobre feminicídios e estupros, que evidenciam a persistência da violência de gênero. A criação de varas especializadas e a melhoria das práticas judiciais são fundamentais para garantir a proteção eficaz das mulheres e o combate à violência."
Reconhecimento da violência patrimonial e econômica
"A violência patrimonial contra a mulher, embora prevista pela Lei Maria da Penha no artigo 24, ainda enfrenta desafios significativos em sua aplicação e reconhecimento. A lei estabelece medidas protetivas, como a restituição de bens subtraídos pelo agressor, a proibição temporária de atos sobre propriedades comuns e a suspensão de procurações. No entanto, a prática de aplicar essas medidas têm sido limitada, uma vez que a violência patrimonial ainda é subestimada, tanto pelo sistema jurídico quanto pela sociedade. Essa invisibilidade contribui para a subnotificação e dificulta a adoção de medidas eficazes de proteção às vítimas. A falta de uma compreensão aprofundada sobre os impactos da violência patrimonial impede a implementação de políticas públicas adequadas e a conscientização da população sobre a gravidade dessa forma de abuso. Por isso, é essencial promover uma maior conscientização sobre a violência patrimonial como uma expressão de violência doméstica, além de capacitar os profissionais do sistema de justiça para garantir a efetiva aplicação das medidas previstas na legislação. Isso é fundamental para a proteção integral dos direitos das mulheres e o combate a todas as formas de violência de gênero."
Gabriella Andréa Pereira, advogada e presidente da Comissão de Diversidade e Inclusão Racial do IBDFAM
O direito das mães solo
"Quando uma mulher escolhe maternar, não raros são os casos em que ela é inserida em mais um grau de vulnerabilidade de direitos que, somado às interseccionalidades de gênero, raça, classe, território, idade, sexo e outras, dificultam o acesso a seus direitos básicos e de sua criança, que inevitavelmente também será atingida. Quando mães solo buscam o Poder Judiciário para garantia de direitos a seus filhos, o maior desafio que encontram é conseguir serem ouvidas, em suas demandas, com uma perspectiva interseccional de gênero a fim de que a celeridade processual encontre a equidade e a justiça, para trazer eficácia na solução dos conflitos apresentados, compreendendo que aquela mãe também é uma mulher, um indivíduo autônomo que muitas vezes, em razão da maternidade solo, se vê presa a esse papel sem a possibilidade de exercício de sua carreira profissional, acadêmica, cultural e individual, o que para homens, em grande medida, é concedido e chancelado socialmente. A maternidade compulsória, inclusive quando exercida de modo solitário, confina mulheres ao trabalho de cuidado não remunerado, o que também é considerado violência de gênero."
Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero
"A resolução do Conselho Nacional de Justiça instituiu a obrigatoriedade da adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em todas as demandas judiciais brasileiras, de modo a reparar, minimizar e auxiliar na promoção da igualdade de gênero, que é um dos objetivos do desenvolvimento sustentável, nos termos da Agenda 2030 da ONU. A saber disso, as demandas familiaristas que são diretamente atravessadas por questões de gênero, devem ser analisadas, processadas e julgadas por meio de um olhar atento e cuidadoso às particularidades de cada caso, observando se as questões de gênero ali presente subjugam ou subalternizam mulheres – e grupos vulneráveis – em papéis culturalmente estigmatizados. A incorporação do Protocolo no Judiciário ainda é incipiente ante a todas as reverberações positivas que o seu uso pode gerar na vida das pessoas que acessam a justiça brasileira, sobretudo na vida das mulheres, pelo que o incentivo aos magistrados e magistradas a conhecê-lo e utilizá-lo mesmo sem a provocação das partes, é fundamental para garantia da igualdade, da não discriminação e da dignidade da pessoa humana."
Carla Watanabe, tabeliã de notas e membro do IBDFAM
Divórcio direto
"O divórcio direto foi uma conquista que se materializou a partir da Emenda Constitucional – EC 66/2010, idealizada pelo IBDFAM. A partir dela, não mais seria necessário o cumprimento de requisitos temporais e processuais para a dissolução do vínculo matrimonial. Todavia, a visão patriarcal acerca do casamento, decorrente da filiação tradicional do direito de família às suas origens canônicas, preponderou ainda por muitos anos. Foi necessário o STF reafirmar que inexistiam condicionantes para o exercício do direito ao divórcio por meio do acórdão RE 1.167.478, julgado em 2023 e que deu origem ao Tema 1053 em Repercussão Geral. Dessa forma, deveriam ser banidos os institutos da culpa e da separação judicial no direito brasileiro. Sob uma perspectiva de gênero, entretanto, ainda permanecem resquícios da análise da culpa nas decisões judiciais que tratam desse assunto. Afinal, esta foi historicamente usada contra a mulher no divórcio, seja na fixação de alimentos, seja na concessão da guarda dos filhos. Nesse sentido, estereótipos negativos são utilizados para culpá-la pelo fracasso do matrimônio; e a sobrecarga emocional e financeira do divórcio recai de maneira desproporcional sobre ela, que, em muitos casos, tem que lidar com a divisão de bens desfavorável, a dificuldade de recebimento dos alimentos, a necessidade de realocação profissional e a responsabilidade quase exclusiva pela criação dos filhos."
Registro de dupla maternidade
"O registro da dupla maternidade representa um forte aceno na luta contra a discriminação heterossexista. Afinal, o casal do mesmo gênero, apesar de seu reconhecimento jurídico como família, ainda não dispõe dos mesmos instrumentos jurídicos que o casal heterossexual possui. Trata-se de uma assimetria decorrente da própria estrutura do direito, que insiste em tratar de forma subalternizante pessoas que estão na mesma situação jurídica. Por que um casal lésbico deveria ter um tratamento inferior a um outro modelo de casal cuja orientação sexual é mais aceita pela sociedade? Essa discrepância pode ser vista no caso examinado no RESP 2.137.415-SP, publicado em 17/10/2024, no qual um casal de mulheres teve um filho e não pôde registrá-lo no nome das duas mães por terem se utilizado da inseminação heteróloga caseira. Ora, todos sabemos dos custos financeiros envolvidos nas técnicas de fertilização assistida, o que inviabiliza sua utilização pelas famílias de baixa renda. Daí porque muitos se utilizam da chamada “inseminação caseira”, que ocorre sem o recurso às clínicas de reprodução humana. Se um casal heterossexual se socorresse dessa técnica, ninguém questionaria a parentalidade da criança, pois ela nasceria na constância do matrimônio ou da união estável, por decorrência da presunção absoluta estabelecida no Art. 1.597, V, do Código Civil; porém, foi negada a aplicação desse dispositivo ao caso por tratar-se de um casal de mulheres. Cuidava-se de uma aplicação seletiva da norma jurídica, para a qual foi negada sua vigência apenas porque o casal era homossexual. Ainda bem que o STJ reverteu as decisões das instâncias ordinárias e reconheceu que as mulheres teriam direito a serem consideradas mães da criança. Dessa forma, deu-se plena aplicação ao princípio constitucional da igualdade sem discriminação de gênero."
Por Guilherme Gomes
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